Caylus

Às vezes incomoda-me não gostar de um jogo. Não é sempre, é só às vezes. Nem sei sequer explicar porquê mas, fico um bocadinho irritado comigo próprio. Epá, gostava de gostar disto mas, não gosto. Com Caylus é assim. Não gosto e tenho pena.

Quase todas as pessoas que conheço e que jogam boardgames, claro, gostam de Caylus. Admito que o problema possa ser meu, e não é o único que eu tenho, é verdade, mas, ainda assim, e a bem da minha defesa, vou tentar explicar porque é que eu não gosto do jogo.

Acho também que Caylus está rodeado de alguns mitos urbanos, ligados à luderia especializada, que toldam a visão objectiva de um jogo que, no fundo no fundo, não passa de mediano.

Já se percebeu que este não vai ser um texto pacífico mas, ainda assim, vou arriscar a polémica para não perder a oportunidade de fazer justiça!

Mito # 1 - Estética

Eu próprio achei/acho que Caylus, esteticamente, é muito bem conseguido. Lembro-me que, quando pela primeira vez o joguei, achava o jogo mais bonito que alguma vez havia visto. Não fora algumas novidades posteriores e algumas mudanças de critério e, ainda hoje, o acharia o Brad Pitt dos boardgames. O problema é o enquadramento daquilo que está à vista com aquilo que deve ser o jogo.

Estamos a falar de uma vila medieval francesa que, a custo, lá vai tendo o seu castelo construído. Para além de construir o castelo o pessoal vai fazendo uns favores ao rei. Não, não são sevícias. São antes umas coisas mais ou menos esquisitas, tipo oferendas, que os súbditos vão trocando por favores. Ou favores de licenças para construção, ou de aumento de rendimentos, ou de pontos vitória, enfim, um conjunto de favores que podem/devem ser aproveitados por forma a conseguir ser o melhor e mais completo servidor do reino de Caylus (França).

Para um ambiente medieval, devo dizer que estamos mais ou menos bem enquadrados. Mas não no desenho. Ou seja, se o tema está relativamente bem explorado no jogo, já as ilustrações me parecem demasiado rechonchudas e coloridas para serem medievais. Eu não sou crítico de arte mas sou jogador de boardgames. Acho que, sendo nós os tipos que ainda vivem numa aldeia/vila medieval que está a construir um castelo e que procuram os favores do rei, não estaremos num estado tal de evolução que tenhamos um aspecto assim tão lavadinho e confortável. Quentinhos. Acho que as ilustrações deveriam ser mais espartanas, mais pasteis e menos plásticas e confortáveis.

Por muito que eu jogue aquele jogo lindo, não me imagino no mundo medieval.

Mito #2 - Interacção

No início era o verbo. Palavra de ordem - interagir. O pessoal agarrava-se a um jogo e, pumba. Este tem muita interacção. É muito completo, tem isto e aquilo e dá para fazer não sei o quê e tem mesmo muita "interacção". Pois, meus amigos, eu não acho nada disso.

Caylus é um jogo sem interacção. Claro que a contra-argumentação óbvia será dizerem já - "então e quando alguém coloca um trabalhador num sítio que outro jogador queria usar, isso não é interacção?!" Pois, isso é interacção. É o equivalente em importância e relevância, no contexto global do jogo, sublinho, no contexto global do jogo, a um jogador de sueca ser canhoto. É uma espécie de interacção fingida, sem importância nehuma para o fechar do jogo e que, mais cedo ou mais tarde, resultará numa coisa ao contrário mas igual. Ou seja, o jogador que agora ocupa uma coisa a seguir vai ocupar a outra e vice-versa. Tem tudo a ver com tempo de jogo. E isso leva-nos ao...

Mito#3 - Decisões

As decisões do Caylus são um conjunto de coisas iguais para fazer em diferentes tempos de jogo (em termos estratégicos) e, em termos tácticos, o mesmo de sempre. Confuso mas eu explico. Estrategicamente, Caylus, tem opções a tomar. Escolher este ou aquele favor do rei, construir, ou não, este ou aquele edifício, enfim, coisas iguais para todos, usáveis em diferentes tempos de jogo, conforme a estratégia a tomar. Tacticamente, falamos da tal interacção anterior em que, se um jogador agora escolhe isto o outro escolhe aquilo e depois, é só fazer igual mas ao contrário. E depois, vem a carga minimalista desta opções tácticas. Estamos demasiado tempo (3/4 horas) a fazer sempre as mesmas coisas. Quando alguém constroi alguma coisa é uma festa, no resto, agora ponho aqui o trabalhador agora ponho acolá - 'been there done that.

Mito #4 - Mecânicas

Depois vem a parte mais detestável do jogo. As duas personagens brancas, um mais anafado que o outro, o Bailiff e o Provost. Não gosto da função que eles ocupam no jogo. Percebo o mecanismo que eles representam, sei que acrescentam algo ao jogo em termos de, os mais puristas chamar-lhe-ão, interacção, eu não chamo, mas é um falso aliado à mecânica. Quando alguém é prejudicado pela acção (ou falta dela) do fiscal, a coisa pode ficar, irremediavelmente, feia. Um jogador pode ser afastado da vitória por perder um turno por culpa de um outro jogador ou de um conjunto de jogadores. E isto é backstabing num jogo em que se acumulam recursos para construir coisas e favores para o rei. Até pode ser algo temático mas, ainda assim, os resultados de uma perda da acção de uma casa são demasiado violentos para um jogo que não deixa opção para ripostar ou contrariar. É um péssimo mecanismo.

Por alturas em que Caylus era o número dois do BGG ninguém tinha tanto interesse em experimentá-lo quanto eu. Quando vi o que estava lá dentro fiquei ainda mais curioso. Quando experimentei o jogo achei-o algo lento mas gostei. Quando repeti o jogo achei-o algo lento e não gostei. Quando voltei a repetir o jogo achei-o enfadonho, lento, obtuso, sem significado mas bonito. Eu gostava de gostar de jogar Caylus. Juro.

Paulo Soledade