Reef Encounter

Há jogos que... pluff!, assim que aparecem fazem click. Reef Encounter foi assim comigo. Apareceu e fez click. Claro que eu já levava vantagem. Depois de ter jogado o Keythedral havia ficado com a certeza de que estaríamos perante um grande autor/criador de jogos, o senhor Richard Breese. Daí a querer ver como era este jogo de mar foi um saltinho e, splash, afundei-me na coisa. É disso que vou falar entretanto. Só gostava de deixar alguns avisos à navegação:

1- Vou procurar ser o mais básico possível a escrever esta crítica porque, não sei se sabem, mas o Reef Encounter tem muitos termos e expressões complicadas de perceber para quem nunca, como eu, andou a fazer pesca submarina e, portanto, irão ler muitos splash, puff, click e, para além disso, quando não souber como dizer o que quero dizer, chamar-lhe-ei "a coisa". Por exemplo: "Reef Encounter tem uma "coisa" que eu gosto muito e que é, o autor."

2- O segundo aviso tem a ver com as piadas que podem eventualmente ler e que tenham que ver com esta "coisa" do mar. Tipo: "deixar aviso à navegação". Não me levem a mal se procurar alcançar uma espécie de empatia entre o tema e o facto.

3- Expressões como corais, peixe-papagaio, camarão e algas não são deliberadamente ostensivas. Elas fazem parte do vocabulário do jogo.

Posto isto...

Quando joguei Keythedral pela primeira vez não achei aquilo nada de especial. Hoje acho aquele um jogo do catano. O problema, dirão vocês, pelo menos alguns de vocês, é que não tornei a jogar Keythedral. Ora, como não tornei a jogar um jogo que não achei nada de especial, porque carga de água haveria agora de o achar um jogo do catano?! Eu explico. O jogo, em determinada altura da minha existência e depois de estagiar no meu cérebro evoluído de carvalho francês Allier, passou de normaleco a catano. Por uma razão muito simples. É que esta "coisa" dos jogos de tabuleiro não tem nada de racional. Um jogo do catano para muitos, é chato para outros tantos. E vice-versa. No meu caso, Keythedral cresceu como cacto no deserto, tartaruga nas Galápagos ou relvados novos em Alvalade (reparem nas constantes analogias naturais!). Resumindo, fez click!

Quando parti para a experiência marítima de Reef Encounter já sabia o que me esperava. Preparei o jogo como quem domestica um cágado - fui olhando para ele e perguntando-me se ele consegue, ou não, voltar-se sozinho se eu o puser de barriga para cima. Fiz isto nos primeiros 3 dias. Depois desisti e agarrei-me às regras, de facto. Parei de pensar se seria, ou não, um jogo difícil de entender, difícil de jogar, sério, inteligente, meigo... Pensei, "epá!, um Richard Breese não pode ser um jogo carinhoso e terno que faça domicílios." Não! Tinha de ser algo mais agreste e bruto, num estilo europeu mas pesado, que faça a cabeça em água (mais uma piada marítima!) àqueles que com ele querem gozar.

E assim foi. Começámos o jogo a entender os conceitos. Pólipos, algas, corais, rochas, camarões, peixe-papagaio enfim, uma data de coisas obscenas. No fundo, no fundo, o pessoal lá ia entendendo aquilo às mil maravilhas. O mar é de todos, os tiles, que se colocam para fazer corais, também são de todos, pelo menos até alguém reclamar a posse colocando lá em cima um camarão da sua cor. Em mar-alto mandam os corais de uma determinada cor que podem, sendo dominantes, eliminar/comer outros corais, desde que estes sejam de uma cor dominada em relação à dominante mas, no fundo no fundo, o que todos querem mesmo, é alimentar o seu peixe-papagaio. Ora aí é que está o busilis do jogo. Há corais que, durante o jogo, se vão formando, uns maiores outros menores, que vamos tentando reclamar para nós, colocando lá o nosso camarão e tal e, em determinada altura, quando esses corais tiverem o tamanho de, pelo menos, cinco tiles, podem servir de alimento para o nosso peixe-papagaio. Este alimento é que é, em resumo, a pontuação do jogo. O problema é que este nosso peixe-papagaio só pode comer 4 vezes durante o jogo todo. Ou seja, não há mais que 4 pontuações para cada jogador e, no fim de Reef Encounter, quem tiver mais corais na barriguita do peixe-papagaio é que ganha o jogo.

Esta proporção de quantidade, depois, pode ser alterada conforme a cor dos tiles que cada peixe-papagaio comeu. Se fôr de cor dominante vale mais do que se fôr de cor dominada. E aí entramos no domínio da alta finança em mar-alto que permite aos jogadores de Reef Encounter alterarem o "mercado" dos corais. Esta alteração ao mercado pode ser feita por todos os jogadores e, dizem os especialistas, serve de chave-mestra para alcançar o desiderato mais pretendido, a vitória. Pois eu concordo com os especialistas.

Depois de percebermos os conceitos e "como vencer Reef Encounter em duas braçadas" (voltaram as piadas marítimas) chegámos àquele sítio difícil de perceber e que trata os jogos de uma forma naturalmente selectiva, o purgatório dos jogos, aka, mesa de jogo. Uma coisa é acharmos o jogo isto e aquilo e as regras e os conceitos e o material. Outra coisa é ver o comportamento dele na estrada.

Uma das curiosidades em relação a este Reef Encounter é o facto de ser um jogo anormalmente denso e complicado de jogar para um tema que, de alguma forma, procura ser entretido e familiar. Quando olhamos para as ilustrações do jogo, para o próprio ambiente submarino, para o cuidado que cada regra tem a procurar rigor no mundo animal, percebe-se que estamos diante de um jogo pedagógico. Ou seja, daí a começarmos a querer assobiar o Verão Azul e a imitar o Pancho que - é uma ideia que tenho desde criança mas... - queria comer a Bea, é um pequeno passo. O próprio autor, admite inspiração nos célebres documentários do Sir David Attenborough. Todos nós sabemos que do Verão Azul aos documentários do Sir Attenborough vai um passeio de bicicleta e uma assobiadela espanhola!

Talvez por isso, no seguimento desta lógica documental que serviu de inspiração, o jogo traga tantas informações acerca do mundo aquático e, de alguma forma, nós próprios, enquanto jogadores, procuramos documentar um conjunto de acontecimentos, à medida que o jogo se vai desenrolando. E fazêmo-lo isoladamente. Ou seja, cada jogador tem a oportunidade de completar o seu turno, sozinho, turno esse que tem 10 acções, e que vão desde estender corais, colocar camarões, comer corais, ir para alto-mar alterar o "mercado" de corais, enfim, muitas possibilidades. Devido ao facto de fazermos esta quantidade, anormalmente grande, de acções, poderíamos estar perante um jogo com demasiado downtime e que fizesse os adversários esperar em demasia. Pois, na minha opinião, nada disso se passa. Reef Encounter é de tal maneira denso e complicado que, apesar dessa característica de turno, não deixa de ter os jogadores sempre envolvidos em conseguir fazer o melhor pelo seu peixe-papagaio.

E este seria o meu maior receio quando o quis meter à estrada. Saber como iria reagir ao downtime, à densidade cerebral, às curvas e contra-curvas. Ainda por cima, tivemos o azar de experimentar o Reef Encounter num dia em que nem todos tinham os neurónios a funcionar a 100%. Depois lembrei-me de uma música em português com sotaque... é mesmo isso! Jogos bons, mas mesmo bons, têm de ser jogados em contramão, atrapalhando o tráfego. Se continuarem a parecer bons, não enganam. É porque são!

De tempos a tempos vou jogando uns joguitos engraçados e, realmente, de qualidade. E não há como não achar este, um jogo mesmo, muito bom. Pode haver quem o ache demasiado pesado, de difícil visualização e pouco intuitivo. Concordo. Acho-o pesado e gosto disso, intuitivo só depois de jogarmos, visualmente difícil, é verdade, mas gosto na mesma. Porque nesta "coisa" dos jogos nada é mesmo racional e, se para muitos acabei de enumerar defeitos, para mim e neste caso, enumerei virtudes. Pelo menos para mim, velho marinheiro.

Paulo Soledade