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Post date: Nov 10, 2011 2:09:23 PM

O erro é algo com que temos de viver. Eu diria antes, algo com que temos de saber viver. Hoje toleramos muito pouco o erro, nosso ou dos outros. Um tropeção faz-nos passar dum estado de euforia para uma quase depressão, desvia-nos dum passeio à beira-mar para a mais íngreme das rampas. Mesmo o mais pequeno dos deslizes é catalogado e arquivado na nossa memória. E fica ali a roer durante uma temporada. Se tal é connosco, em relação ao próximo a coisa não melhora. Irritamo-nos e exasperamo-nos com os outros por causa das falhas deles e até por causa do que nos corre mal a nós. Sentamo-nos no sofá e fazemos zapping meio alheados, meio desapontados com o que não chegamos a ver. Sentimo-nos revoltados com o carro que nos ultrapassa para sair logo na próxima cortada á direita e azedamos com o condutor que, em ritmo supostamente lento, não sai da nossa frente. Custa-nos perceber como é que determinado jogador falhou um passe daqueles e partimos do princípio que um ministro não foi eleito para errar uma vez que seja.

Há muito que vou anotando mentalmente algumas reflexões sobre esta dimensão do erro enquanto factor incontornável na vivência de cada um. E surge-me deveras interessante fazer essas cogitações à luz refletida no tabuleiro sobre a mesa.

Porque os jogos de tabuleiro proporcionam a esse respeito um manancial de contributos.

Um deles é ajudar-me a perceber como lido com o erro, o meu e o dos outros.

No meu grupo de jogo há até quem se passe com o erro dos outros. Ou porque tal influenciará o desfecho da contenda ou porque, inadvertidamente, esse erro alheio estraga a lógica que presidiu a decisões próprias anteriores. Como uma cena não prevista no guião dum filme!

Para mim, o pior é perceber que fiz algo de errado quando já reunia informação, sensibilidade e até experiência para o não ter feito. Fico desapontado comigo próprio e apetece-me voltar atrás.

Numa perspectiva epistemológica o erro pode funcionar como rotura e a história da humanidade está cheia de roturas que funcionaram como patamar para avanços extraordinários. Perceber o nosso erro é uma alavanca para uma melhor actuação futura. Assim acontece nos jogos (embora nos mais inclementes tal possa significar ficar logo fora de jogo) e assim ocorre na vida.

Se pudéssemos voltar atrás, alterar o destino, o efeito futuro do erro (não) cometido seria o mesmo?

Tenho as minhas dúvidas. Porque o erro não é apenas significativo enquanto o que vale intrinsecamente, mas vale também e sobretudo pela carga aparentemente devastadora que traz consigo e que projecta no futuro. Isto é, se pudéssemos a toda a hora voltar atrás estaríamos sempre a fazê-lo. O erro seria inconsequente e a aprendizagem com o tropeção cometido não teria o valor vital que tem quando é a doer.

Este quadro será válido quando mergulhamos num jogo de tabuleiro?

Creio que sim, em parte. Como em tudo na vida dependerá de cada um e da forma como cada qual olha para a situação. Haverá quem lamentará o seu erro para toda a eternidade mesmo que podendo voltar atrás e haverá quem, de forma mais ou menos leviana, cairá uma e outra vez no erro, no mesmo erro, ou no mesmo processo de erro.

Mas há algo de maior que me ocorre.

Imagine-se como seria diferente a nossa vida se pudéssemos corrigir um exame de nota 7, refazer a curva na estrada, apagar as palavras com que magoámos o outro.

De tabuleiro à frente, de cartas na mão e dados a rolar, numa qualquer noite de sexta-feira, alcançamos esse extraordinário privilégio de poder alterar o destino. Mesmo que não o façamos, é uma experiência humana impar, a de ter essa via disponível. Naquele instante temos perante nós uma possibilidade rara, um quase milagre: o poder de desfazer o erro.

Por instantes breves somos quase divinos, conseguimos voltar atrás no tempo. Se não abusarmos e não transformarmos a experiencia de jogo num… inferno!

“Um homem nunca deve sentir vergonha de admitir que errou, o que é apenas dizer, noutros termos, que hoje ele é mais inteligente do que era ontem.”

Alexander Pope, poeta e escritor inglês

José Carlos Rôla