Twilight Struggle

Uma das grandes dificuldades de julgar um jogo é, claramente, alhearmo-nos dos nossos gostos pessoais e tentarmos ser o mais objectivos possível. Confesso que, quando gosto de um jogo, essa dificuldade é muito maior porque, obviamente, o distanciamento emocional é mais difícil. Quando é um jogo que me deixa uma má experiência, a crítica, negativa e, por vezes, não tão construtiva quanto o desejável, é mais fácil. Sai a correr. Mas também aqui, a maior parte das vezes, a objectividade é sofrível. Portanto, quando falo de um jogo, tanto me é difícil escrever mal quando não gosto, como bem quando gosto. Esta trapalhada de sensações e emoções só é ultrapassada quando, daqueles jogos que gosto mesmo muito, ou melhor, pelos quais eu me interesso muito, são repetidos, quase, atá à exaustão. Senti-me compelido a fazer isso com o Twilight Struggle. Porquê? bem, não é fácil dizer mal, ou melhor, fazer uma crítica negativa, ter uma opinião tão desfavorável, acerca de um jogo que tantos gostam. E gostam, não será certamente, por razões menos objectivas que as que eu uso para não gostar. Também não é líquido que as razões que eu encontro sejam assim tão óbvias para os outros que as não vêem. Ainda assim, e mesmo que correndo o risco de despertar demasiados confrontos, vou procurar defender a minha opinião o mais objectivamente possível.

A minha história com Twilight Struggle vem desde há muito tempo atrás. A pergunta deste blog, na altura da descoberta, foi: "qual é, para ti, o melhor jogo de area control?" As mais de 20 respostas trouxeram uma maioria relativa de Twilight Struggle. Defeito #1, apontou o Carlos: "é jogado somente a 2". Pois! É um problema, pensei eu com os meus. Mas daí a recusar liminarmente não foi fácil. Estávamos numa altura de grandes mudanças em termos de conhecimentos de jogos de tabuleiro, as aquisições de jogos, cada vez, mais complexos, iam-se sucedendo e, também aí, a inclusão de Twilight Struggle, mesmo que para dois jogadores, mesmo que feito com um tabuleiro - agora também já lhe chamo mapa - feito para fumar coisas ilegais, mesmo que tivesse um formato completamente novo em termos de mecânia - Card Driven Game - com o qual eu nunca havia travado conhecimento, mesmo com tudo isso, a curiosidade da novidade e da certeza das opiniões de dois dos nosso leitores (Madeira e Hmocc) foi mais forte e eu comprei o jogo.

Agarrei-me àquilo de tal maneira que, no mesmo dia em que chegou, eu e o nbs já o estávamos a jogar. Mal, mas a jogar. A experiência foi incrível. O jogo tinha uma profundidade estratégica assinalável, um grau de interacção elevadíssimo, sobretudo para um jogo a dois jogadores, e uma mecânica muito interessante.

O tema era fabuloso (Guerra Fria), a forma de simulação cronológica que o jogo apresentava com a sucessão de baralhos de cartas a entrar no jogo, sucessivamente, tudo fazia sentido. A experiência foi ainda melhor das vezes seguintes em que jogámos.

Passados alguns jogos, a ideia de percorrer 3 horas a jogar um jogo de influência política continuava a ser interessante e desafiante. O problema foi verificar a agonia de quem jogava pelos EUA. Que massacre.

Numa abordagem posterior, e já com uma boa dezena de jogos na bagagem, umas férias tropicais deram-me tempo para jogar outra dezena de jogos e perceber o que, até à altura, era só uma forte desconfiança. O jogo é desequilibrado. Não se trata na sorte da saída das cartas ou dos lançamentos dos dados. Não é só disso que falo. Falo mesmo da diferença entre as oportunidades que têm os dois jogadores. Na verdade, os EUA e a URSS não têm as mesmas oportunidades. O jogador que joga com os EUA dificilmente consegue vencer. As estatísticas mostram, grosso modo, que a vantagem da URSS é de 60% para 40%. Não é assim tão desequilibrado, dirão alguns. Pois. Outra estatística diz que, entre jogadores experimentados, o sucesso da URSS é superior a 70%. E estamos a falar de estatísticas e de números o que, como todos nós sabemos, servem somente para contar uma verdade ou, melhor dizendo, uma mentira porque, na minha experiência, e nos últimos dez jogos que fiz, a URSS ganhou sempre. E ganhou sempre de goleada - 20 a zero! A única altura em que os EUA conseguiram um resultado mais positivo foi uma chegada ao 8º turno e, mesmo assim, isso só aconteceu porque os dados estavam abençoados prós lados do tio Sam.

Alguns números, e estes não são estatísticos, têm a ver com o resultado directo das cartas no tabuleiro (mapa). Por exemplo, analisando o deck do Early War, vemos que existem 14 eventos para a URSS e 12 para os EUA. Na verdade, esta diferença não é assim tão importante porque, em termos de pontos operacionais (OP's), a URSS tem 31 pontos a favor enquanto os EUA têm 32. Ou seja, mesmo que a probabilidade de ter uma carta da URSS seja maior, porque existem mais cartas da URSS, estas, no seu conjunto, não são mais fortes que as cartas americanas.

Mas o grande problema vem na forma como as cartas são aplicadas. Ou seja, vamos supor que as cartas da URSS vão parar às mãos do jogador americano e vice-versa. Como é que é possível desenvencilharem-se dos danos que elas lhes podem causar - não nos esqueçamos que estamos, sobretudo, a falar de um jogo de minimização de danos.

Na verdade, fazendo uma contabilidade operacional de cada uma das cartas, e mesmo que algumas só sejam executadas seguindo algumas restrições, temos, mais ou menos, 33 OP's para a URSS e, também aproximadamente, 20 OP's para os EUA. Esta é uma análise das cartas que, de facto e concretamente, representam influência no mapa.

Para se perceber melhor o resultado desta análise vou explicar dando o exemplo de duas cartas:

A NATO tem um valor operacional de 4 OP's e, se usada pela URSS, retira a possibilidade desta, fazer golpes de estado ou realinhamentos na Europa (embora no mesmo deck - early war - exista o Charles de Gaulle que retira esta vantagem aos EUA em território francês). Em termos operacionais, embora esta carta possa ser importante para os EUA, não aplica nada, de facto e concretamente, no mapa. Associado a isto é uma carta de 4 OP's que podem ser usados pela URSS para, de facto, colocar influência no mapa.

DE GAULLE

A carta de De Gaulle, se for parar às mão do jogador americano e se este a jogar, significa a utilização de 3 OP's mas também significa retirar 2 de influência americana em França para colocar 1 de influência soviética. O resultado disto é 3 para 3, pelo menos porque, estando o território francês controlado, cada ponto de influência americano valerá 2 OP's.

Obviamente que este é um exemplo simplista que pretende, unicamente, mostrar a diferença entre uma carta operacional e uma outra, não operacional.

No setup inicial, por exemplo, a diferença de influência entre uma nação e outra é substancial. Os EUA iniciam o jogo com 23 pontos de influência no tabuleiro e a URSS com 15! Apesar disto, o equilíbrio é óbvio, sobretudo na Europa e Médio Oriente. Na verdade, a URSS começa com um território (Battleground) já controlado na Ásia e os EUA com a Austrália, somente (não Battleground). Juntando a isto a carta da China, também entregue à URSS no início do jogo, começamos a perceber para quem será a pontuação da Ásia quando esta acontecer.

A verdade é que o jogo se decide com pontuações dos diversos continentes. Esta apreciação que eu faço ao jogo não tem de estar correcta. É só o resultado da minha experiência. Eu somente joguei cerca de 20 jogos, nada que se compare a quem testou o jogo, certamente. Quando falamos de um jogo como o Imperial, por exemplo, também é óbvio que nem todas as nações têm as mesmas possiblidades de vitória. Mas, nesse caso específico, estamos a falar de um jogo multiplayer em que, mesmo que as nações não sejam equilibradas ao milímetro, os jogadores são-no. Ou seja, todos os jogadores têm as mesma ferramentas para atingir o seu objectivo. Num jogo a dois jogadores em que um deles é beneficiado desde o início, estamos perante um jogo viciado. Não faz sentido eu jogar um jogo destes se sei que ele não está bem feito que ele não dá as mesma oportunidades a todos os jogadores. O que é que me pode fazer continuar a jogar Twilight Struggle? Bem, o facto de adorar o tema, ajuda, o facto de querer vencer pelos EUA também é um incentivo adicional. Mas a verdade é que a análise do jogo enquanto jogo, objectivamente, me diz que estamos perante um problema grave. Twilight Struggle tem a vantagem de ser adorado, cegamente acrescento eu, por muita gente que, ainda não quis perceber que não é assim que se fazem grandes jogos. Sobretudo quando os nossos critérios de exigência em relação a outros jogos são muito mais exigentes que com este.

Adorável mas deformado!

Paulo Soledade