Last Train to Wensleydale

Wensleydale não é fácil de pronunciar. E o lugar em questão difícil de descortinar. Como nome de queijo também não soa particularmente bem. “Tenho lá em casa um Wensleydale que é uma maravilha!” Ná… Mas deve ser bom. E pelos vistos resulta nos desenhos animados, de tal forma que, coincidência deliciosa, parece que há muitos Wallace apreciadores deste particular tipo de queijo!

Como nome de jogo? Bem, ninguém diz “Vamos jogar Last Train to Wensleydale?” Arrematamos então a coisa por “Last Train”, tiramos-lhe as comas e passamos ao jogo.

A caixa é bonita sem ser deslumbrante, os componentes são bons e o tabuleiro cumpre o seu papel apesar de feio quanto baste. Este último tem uma particularidade que aprecio e nem sempre vejo devidamente reconhecida: “lê-se” e “maneja-se” bem a partir de qualquer lado da mesa.

Os pontos fortes do jogo surgem logo na montagem do “set up”, que é trabalhosa mas entretida. Depois do “set up” concluído, é importante olhar bem para o tabuleiro. Perceber de onde fazer partir a nossa linha de comboio e que vales atravessar é a chave para se ganhar. O problema é que isto não é fácil, ou, digamos, não é imediato!

Uma das particularidades mais interessantes de Last Train está precisamente aqui, no facto da disposição inicial dos bens a transportar condicionar todo o jogo. O autor não arranjou apenas maneira de o jogo ser sempre diferente à partida, criou uma forma deste ser sempre à partida um quebra-cabeças, na medida em que a resolução desse desafio é mais de meio caminho andado para alcançar a vitória.

Quando o meu pai resolveu construir a sua casa, há 40 anos atrás, não terá equacionado em toda a sua extensão os custos inerentes à escolha do local de construção. Na altura, sem a facilidade de arranjar dinheiro que bem nos tem tramado nos últimos anos, um projecto desta envergadura era ponderado por etapas, à medida que se ia tendo verba para avançar um pouco mais. Por isso, o preço reduzido do terreno terá sido uma das razões maiores para a sua escolha, a par de motivos menos pragmáticos mas ainda assim importantes, como sejam a vista magnifica que ainda hoje lhe agradeço, ficar à beira da estrada que na altura era tão apreciado ou a ausência de vizinhos, para bem deles!

A verdade é que, quer ao início, quer nas ampliações que fez, despendeu bem mais na construção do que teria acontecido num terreno menos acidentado. E isso ele não terá tido em conta, ou na devida conta!

Last Train coloca-nos perante um cenário de tomada de decisões algo semelhante. Apesar de, aparentemente, podermos, à partida, ver mais longe, não é praticável equacionar toda a sequência das nossas escolhas, qual aparelho de GPS que em função de meia dúzia de dados traça o caminho mais curto!

É pois muito natural que, no calor da pressão para começar a assentar carris, sejamos levados a escolher a cidade de partida pela cor, verde ou vermelha, o traçado inicial pela vista exuberante das queijarias espalhadas pelos prados ou a embicarmos para uma determinada zona do tabuleiro só porque ninguém mais para lá foi.

Tal como o meu pai há 40 anos atrás, iremos avançar impelidos pelo desejo enorme de começar, onde e como podermos. E apoiados sobretudo na intuição. Uma intuição, ainda assim com muito de racional, que resulta do traquejo no tipo de mecânica em causa e da maior ou menor capacidade de através da fotografia inicial que tiramos ao tabuleiro fazermos o filme do que virá a seguir…

A forma como se obtém a pontuação final e o balanço entre ganhos e perdas da nossa pequenina companhia de trens, que é feito no final de cada turno, são a outra face da moeda que é a gestão do tal quebra-cabeças.

De facto, ao contrário de outros jogos de comboios, em Last Train é muito importante desfazermo-nos na altura certa de parte das nossas linhas, passando a sua administração para as grandes companhias e evitando assim perdas consideráveis com os custos de manutenção dos traçados que erigimos por entre as montanhas do Yorkshire. Este ardiloso golpe de rins do jogo é outra das suas facetas mais elogiáveis. Porque lhe traz mais amplitude estratégica e porque ajuda a colar o tema daquela forma em que Wallace é mestre, integrada, a doer!

A pedra de toque na pontuação final é dada pelo facto de se bonificar os conjuntos compostos por um bem de cada espécie. Tal bónus obriga-nos a procurar recolher passageiros verdes e passageiros vermelhos e isso só se consegue se tivermos acesso às tais cidades verdes ou vermelhas através das grandes companhias da mesma cor.

Entretanto, temos as habituais acções que se materializam de forma clara no tabuleiro: expandir as linhas e entregar os bens e passageiros.

Não há dinheiro em Last Train. E se o recurso a cubinhos para gerir o custo de acções não é inédito, já a sua utilização para leiloar o reforço de posicionamento em quatro colunas de influência/custos associados e a maneira como essas colunas funcionam é um mecanismo bem conseguido. Como se não bastasse, o posicionamento nessas colunas determina a ordem pela qual os jogadores executam as mais importantes acções!

A alocação de cubos coloca-nos perante um tradicional problema de gestão, sobretudo na dúvida entre privilegiar a compra de carris ou capitalizar uma ou outra coluna de influência. Reforçar o poder de influência politica, assegurar o investimento nas grandes companhias ou aumentar o poder de compra de material de circulação, são apostas importantes para se poder fazer o que tem de ser feito quando tiver de ser feito. É verdade que o leilão não se tem mostrado apertado sendo raras as disputas, até porque a oferta é maior que a procura, mas, sobretudo nas duas ultimas rondas, gastar mais uns cubos no leilão pode fazer toda a diferença!

Regresso ao início da prosa e do jogo. E sai-me uma quase heresia: Last Train tem um factor sorte relevante. Falo da sorte de descobrir o melhor caminho, que é mais ou menos aquela sorte que o meu pai não teve, ou afinal até teve, de construir a casa naquele lugar maravilhoso! Parecida com a sorte que Wallace confessa ter experimentado ao conseguir que o jogo tenha resultado tal como está à primeira! Não cai do céu e, à partida, está à disposição de qualquer um. É só agarrá-la!

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