“O Buraco da Agulha”
Existem alguns jogos que não nos dão hipótese alguma de os jogar, de tomar boas ou más decisões, porque são tão, tão “apertados” que, a única forma de os jogarmos, é reduzirmos o risco até ao limite, desde o início até ao final. Esta é, provavelmente, a pior coisa que se pode dizer de um jogo. Nós não jogamos o jogo, ele é que nos joga a nós. Age of Steam é, exactamente, o oposto e vice-versa. O jogo joga-nos até nos apercebermos que, agora, está na altura de sermos nós a jogar. Complicado de perceber? Pois! Também o jogo.
“Uma Mulher de Sucesso”
Muitas pessoas pensam em Age of Steam como um emprego. Temos de acordar muito cedo pela manhã, tomar o pequeno-almoço de pé, a correr, apanhar o trânsito todo do mundo, desde casa até ao trabalho e, quando, no final do mês, achamos que vamos ser recompensados, o salário é tão miserável e tão estranhamente curto, que decidimos começar a construir linhas de comboio, a emitir acções e todas aquelas coisas que se fazem no emprego. Quando chegamos a casa, uma nova linha está feita e uma nova despesa nos espera.
Eu sou daqueles que concordam que Age of Steam é como ter um emprego. No início do jogo já sabemos que, no final do nosso turno (mês), as despesas vão aparecer. O jogo faz-nos considerar se, realmente, o queremos jogar. Ele pergunta-nos incessantemente: “de certeza que me queres jogar?” Nessa altura já todos temos, pelo menos, três mil razões para desistir. Mas depois pensamos: “Eu consigo ganhar a este gajo! Ou será que não?!” Esta dúvida, esta incerteza, é o que nos faz ganhar Age of Steam - Quer dizer, ganhar, ganhar, não é bem o termo. Este é um daqueles jogos que não podem ser ganhos. Pertence à categoria dos imbatíveis. O jogo ganha sempre porque, moralmente, derrota-nos. Mas o respeito necessário que permite pensarmos em vencer, surge, precisamente, quando surge aquela tal dúvida sobre a vitória. E esta vitória, por si só, é quando o jogo nos permite tomar as nossas próprias acções, as nossas próprias responsabilidades.
E quando nós estamos a chegar ao meio do jogo, colocando um pouco o Age of Steam de parte e tentando competir com os outros jogadores, é quando aquela imensa e intensa responsabilidade que ele nos ensinou até aqui, tem de aparecer. Nesta fase teremos de pensar: “Ok Sr. Age of Steam. Agora que eu consegui chegar até aqui, será que me permite continuar e tentar ganhar aos meus adversários de jogo?” E aí o jogo diz-nos: “Permito se eles permitirem!”
“Os Amigos de Alex”
Responsabilidade é a palavra que mais prevalece quando Age of Steam está sobre a mesa. Eu nunca vi alguém que ganha o respeito do Age of Steam ser derrotado. Nunca. Se alguém consegue sobreviver ao emprego, ou seja, se não for eliminado do jogo, o jogo merece-nos. Ou nós merecemos o jogo. Já o ganhámos. E aí pode-se tentar ganhar aos outros. Se conseguirmos vencer os outros, tudo bem, se não conseguirmos, tudo bem também. Porquê? Porque nesta altura, o jogo respeita-nos. Sobrevivemos. Fomos jogados e jogámos o mais difícil jogo que eu conheço. E será isto uma coisa boa? Bem, tenho de concordar que nem sempre me apetece trabalhar enquanto jogo mas, muitas vezes me apetece jogar enquanto trabalho. É só uma questão de escolhermos. Ou então, ao invés de escolhermos podemos jogar/trabalhar Age of Steam. O dois em um.
“A Mão Esquerda de Deus”
Links. Gosto da palavra. Significa esquerda em alemão e ligações em inglês. Bem, isto tem tudo a ver com Age of Steam: fazer conexões para construir linhas de comboio. Melhorar a nossa Engine Track para conseguirmos fazer mais ligações (links) para passarmos por mais cidades. O próximo jogador está sempre à nossa esquerda…excepto neste jogo. Ok. Parece que esquerda não tem nada que ver com Age of Steam mas, de qualquer forma, ligar os jogadores à nossa esquerda (e também à nossa direita) é suficientemente esclarecedor da importância das ligações entre jogadores neste jogo. A posse das linhas é individual mas as ligações entre elas, o leilão que promove a alteração do clockwise e dá cabo da “esquerda” neste jogo, e a espantosa interacção, fazem de Age of Steam um dos mais incríveis jogos que eu já joguei/trabalhei.
Eu não conheço nenhum jogo tão difícil e, ao mesmo tempo, tão bem “amarrado” quanto este. Tudo faz sentido e foi feito, em grande parte, pela mão invisível de Deus. Quase de certeza.
Para finalizar, uma pequena referência ao autor, Martin Wallace:
“Alguns homens vêm as coisas como elas são e perguntam porquê. Eu sonho coisas que nunca aconteceram e pergunto: porque não?” George Bernard Shaw
Paulo Soledade