Antiquity

Há já algum tempo que não fazia uma review. Tenho pensado muito nisso e não cheguei a conclusão alguma. Talvez porque os jogos que tenho jogado ultimamente me tenham deixado com pouca vontade de falar deles, talvez porque a culpa é da minha desispiração (naaaaaaa), talvez ainda porque a forma como os jogos se têm apresentado não é minimamente estimulante em termos de mensagem. Ou seja, resulta no mesmo que a primeira. Não me dizem nada, nada deles digo. Mas nestes dois últimos fins de semana, confesso que joguei dois jogos que me deixaram a pensar nisso.

O Age of Steam, primeiro, um jogo fabuloso mas que um erro de interpretação das regras deixou marcas indeléveis na sua apreciação e, portanto, aguarda por outras núpcias. E segundo, Antiquity. Antiquity ficou-me no goto. E os jogos, para mim pelo menos, resultam ou não resultam, conforme o tempo que neles dispendo depois de os jogar. Com Antiquity fiquei muito bem impressionado.

Convém começar por dizer que Antiquity é um jogo de civilização. Todos os jogadores começam com uma única cidade no tabuleiro e um conjunto de edifícios disponíveis para construir. Nem objectivo de vitória o jogo traz de início, de tão espartano que é! Se querem sofrer a jogar um jogo comecem por aqui. Meus amigos, aquilo não traz nada, não dá abébias a ninguém, quem quer paga, cava, pesca ou troca. Ponto. Cada edifício tem de ser pago com recursos que se vão adquirindo através do nosso stock inicial de 6 madeiras.

A primeira dúvida aparece logo com a primeira jogada. "Então mas, se nós não temos sementes na mão e é preciso uma semente para fazer um cultivo do que quer que seja, como é que se faz isso?" "Onde é que se vai buscar a semente?!" "Será que temos de fazer um Market e trocar dois por um logo no início?" "Ah, já sei, os exploradores devem servir para isso.""Vamos ver..."

Antiquity funciona um pouco como uma aldeia sem ideias, em que tudo é de cultivo até determinado ponto, e com uma fé inabalável nos santinhos do mundo. A falta de ideias na aldeia não dá para construir mais do que aquilo que a lógica obriga a fazer numa sequência de jogo idêntica à do alfabeto. Não se pode fazer o "C" sem o "A" e o "B" e, a seguir ao "E" vem o "F". Mas, ainda assim, existem algumas alterações à lógica. Nem sempre a seguir ao "J" vem o "K"! Às vezes vem o "L"! E é nessas nuances de construção de edifícios que se joga uma parte de Antiquity. É numa espécie de meios tempos em que se consegue alguma criatividade para dar de comer à cria. Depois vem a parte da construção desenfreada da civilização. O pessoal põe-se a fazer coisas. Constrói edifícios, cria infra-estruturas exteriores que provocam poluição e mortes, e origina fome. É muito difícil lidar com o problema da poluição. Sei, de fonte segura, que há pessoas que tiram muitos rendimentos disso, em documentários famosos, feitos com muito carinho pelo mundo e pela conta do banco.

Depois também há a fome. A fome é outro dos males que vêm originando alguns concertos famosos. Quando não se sabe lidar com ela, na nossa aldeia, há campas que vão inundando as nossas vidas. E depois vem o tempo. O sacana do tempo entra no jogo como numa espécie de quarta dimensão irreal, mas que nos leva a acreditar nele. É que as produções duram, normalmente, um produto por turno. Ou seja, se um agricultor estiver no campo a tentar conseguir a comidinha ou a madeira para o patrão, ele só vai fazer aquilo durante um determinado período de tempo. Depois, não há mais para ninguém. E a questão está em gerir o timing com que esses produtos vão chegando e se vão gastando dos nossos stocks. Não se pode nunca, em circunstância alguma, ficar sem madeira. Essa poderia ser a máxima do jogo.

Com tanta desgraça tem de se pedir ajuda aos santos. E é aí que se pode chegar à vitória. Parte da criatividade do jogo está em se poder garantir condições de vitória diferentes para todos os jogadores. Quando se ergue uma catedral faz-se em nome de um santo protector. E esse santo patrono da nossa aldeia vai dar-nos algumas vantagens e vai também ajudar-nos a ganhar o jogo. Os santos trazem uma pimentinha muito gostosa ao jogo.

Nunca havia jogado - e os meus adversários de jogo podem prová-lo e atestá-lo - tão mal. Ui! Foi uma coisa de bradar aos céus. Tanta incompetência. Eu até tinha lido as regras, conhecia, muito moderadamente os edifícios, mas não acertei uma. Fiquei cravadinho de campas na minha cidade, não havia espaço para mais, a poluição era mais que muita, a madeira começou a rarear e depois acabou. E eu acabei com ela. Aí o jogo é imperdoável. Não permite grande margem de erro. Também não tem muita interacção. Ou seja, tem interacção sim, mas de forma mais indirecta, não tanto como na maioria dos jogos de civilização em que há, habitualmente, um estímulo resposta mais efectivo e directo. Eu acho até que prefiro assim. É um jogo verdadeiramente expansionista, muito polidinho. E nem a catrefada de tokens que entram no tabuleiro consegue abalar essa elegância. A fazer lembrar a célebre comparação do golo do Messi ao do Maradona. Falava-se ontem, e muito, do golo de Lionel Messi ao modesto Getafe em jogo de futebol a contar para a taça do Rei de Espanha. O miúdo do Barcelona, que mostra ao mundo, com a cara da Adidas, que teve um problema de crescimento em pequeno, fez um daqueles golos que, aparentemente, acontecem em cada vinte anos. Mais coisa menos coisa. O moço finta, desde o meio campo, cinco ou seis adversários, chega à pequena área, finta o guarda-redes e faz golo. Simples. As comparações com o golo de Maradona há vinte anos atrás, mais ou menos, no Mundial do México de 1986, em jogo das meias finais frente à incómoda e inimiga (falklands) Inglaterra, foram óbvias e fáceis. El Pibe, também argentino, também havia marcado um golo depois de ter passado por 5 ou seis ingleses, fintado Shilton e colocado a bola encostada à rede. "O melhor golo de todos os tempos em campeonatos do mundo de futebol", experts dixit. E era de facto. E é, de facto. Mas a diferença reside na forma como cada um deles transporta a bola no pé. O pé de Messi afasta mais a bola, descontrola-a um bocadinho mais, dá-lhe um tratamento mais impessoal. Já o pé de Maradona não. A bola colou como se fossem só um. Não se afastava, nem mais nem menos, que o perfeito. E isso faz a diferença.

Com Antiquity é assim. Não é perfeito mas, a diferença deste para outros jogos é no tratar da bola. É tudo muito coladinho...

Paulo Soledade