Power Struggle

A coragem de publicar um jogo é assumida no momento em que se lê, "autor dois pontos" [autor:]. Quando o autor aparece no plural achamos que foi uma feliz coincidência do destino e, às vezes, até tentamos perceber quem foi o Alfa e o Ómega daquela criação. Mas quando o autor é mais que um plural, quando ele é várias pessoas ao mesmo tempo, ficamos mais desconfiados e com dificuldade em entender. Se o tipo assina uma caixa dizendo Bauldric & friends, o que pensar dele a não ser que:

1. está com vergonha de assumir o possível fracasso da sua criação.

2. a humildade saiu à rua como um bom samba de verão e partilha a criação com tudo o resto da sua vida.

Depois de já ter jogado Power Struggle cheguei à conclusão que a opção dois é a mais coerente com a caixa e com o que está lá dentro. O orgulho de assinar este jogo a solo era algo que eu gostava de conseguir. Mas eu terei o ego mais inchado que este Bauldric & friends. Ele fez-me relembrar a citação de Picasso "espero que quando a inspiração chegar me encontre acordado". Só assim se explica que o tema mais enfadonho do mundo se torne num bom jogo de duas horas.

No caso de Picasso, uma carreira inteira prova que ele esteve sempre muito acordado. No caso dos amigos e do próprio Bauldric, este primeiro jogo não prova coisa alguma a não ser uma noite mal dormida em que o talento bateu à porta. O futuro dirá sobre o resto.

O acontecimento específico de Power Struggle prova, também, que o tema mais chato do mundo pode resultar bem desde que um jogo seja bem elaborado e, sobretudo isto, bem testado. Mas afinal, qual é o mais aborrecido de todos os temas? Bom, passo a opinião muito pessoal mas, definitivamente, a burocracia. Power Struggle é um jogo sobre burocracia. Os jogadores são "colaboradores" (acho que é assim que se deve dizer agora) de uma companhia empresarial imensa, e o objectivo é meter as pessoas certas nos lugares certos a fazer as coisas certas.

Contratar pessoal, abrir departamentos, chegar às chefias, tornar-se accionista ou ter conselheiros, são algumas das muitas opções que este jogo nos mostra. Para conseguir algumas destas coisas, por vezes, as ajudas dos vários chefes de departamentos que existem na empresa são essenciais. Um suborno pode ajudar a cumprir um determinado objectivo (claro) e um favor bem articulado pode conseguir-nos um amigo para o futuro. Ou não! Tudo isto, todas estas estruturas, funcionam de forma muito bem articulada, de processos simples mas com grande complexidade na decisão. Estamos a falar de burocracia e, portanto, é confuso.

As malhas com que o poder se cruza em Power Struggle são imensas e complexas. Os jogadores, primeiro e de forma mais ou menos óbvia, vão tentando chegar a chefes de departamentos. Noutros casos, tentando chegar à administração da empresa e noutros ainda, ser o presidente do conselho de administração. Todas estas coisas geram pontos que estão inscritos no tabuleiro.

Dando um exemplo simples, quando um jogador conseguir chegar a presidente do conselho de administração da empresa, ele factura dois pontos de influência. Um dos objectivos do jogo é conseguir ter 7 pontos de influência. Ou quando um jogador consegue posicionar-se como conselheiro da empresa assegurando a pasta de, por exemplo, Comunicação, ele já está mais perto de outro dos objectivos possíveis para vencer o jogo e que passa por conseguir ser conselheiro em três matérias diferentes - contabilidade, comunicação, desenvolvimento ou recursos humanos, entre outros. São também estes departamentos que dão algumas vantagens aos seus respectivos chefes.

Por exemplo, o chefe dos recursos humanos, quando está para recrutar alguém para o seu departamento, tem a vantagem de poder recrutar mais gente pelo mesmo dinheiro. É uma vantagem de quem manda. Claro que, estes pequenos poderes que os chefes têm, são cobiçados o suficiente durante o jogo, tornando-os apetecíveis o suficiente e justificando os tais subornos de que há pouco falava. Todas estas informações estão presentes no tabuleiro. Quer isto dizer que, os jogadores sabem quem está para ganhar porque é visível. As condições de vitória são idênticas às que encontramos em Tribun - há várias opções (7) e os jogadores têm de realizar 4 delas. O primeiro a consegui-lo é o vencedor do jogo ou, só para chatear, o burocrata capaz.

A única adenda que o jogo traz, quando comparado com as condições de vitória de Tribun, é uma condição de vitória escondida e que dá alguma pimenta (mais alguma) a Power Struggle. No início do jogo são distribuídos aos jogadores uma carta com um arqui-inimigo. Esse arqui-inimigo será um jogador adversário e o jogador que recebe a carta tem de fazer melhor que esse seu inimigo em 3 parâmetros. Ou seja, ninguém sabe quem é o arqui-inimigo de cada jogador nem quais são os parâmetros em que estes têm de ser melhores. Esta característica confere algum factor surpresa ao jogo, tornando-o mais tenso e menos óbvio quando se procura o vencedor. Isto porque, a quarta condição de vitória, aquela que dá o xeque-mate, pode ser alcançada às escondidas e na surpresa - embora numa surpresa consciente. Funciona como uma espécie de James Bond e Dr. No mas sem o carro maravilha e a Ursula Andress! O nosso arqui-inimigo é para abater com estilo.

A burocracia de Power Struggle esbate-se com a celeridade e com o interesse das acções que cada jogador tem ao seu dispor. Eu gosto de poder contratar empregados, subornar chefes, acabar com departamentos. Culpado! Gosto de poder influenciar cada uma das minhas decisões, distrair-me com o jogo em si. Sabemos que temos objectivos por cumprir e que, ganhar o jogo, passa por eles mas, quando me embrenho naquela teia de gestão de recursos (humanos e outros) entretenho-me de tal maneira que me esqueço dos objectivos e espalho magia.

Esqueço-me de que o meu objectivo é simples - se sou extremo, tenho de chegar à linha e cruzar. Se sou ponta de lança, só vejo baliza e tenho de fazer golo. Se sou defesa, bola para o mato que o jogo é de campeonato.

Esqueço-me de tudo isto e começo a fintar no meu meio campo, saio a jogar desde a defesa ou assisto o médio quando estou à frente da baliza. Fico distraído com o jogo porque me apetece jogar à bola com estilo. E perco. Mas perco cheio de graça e fantasia e com o saldo de dever cumprido - um sorriso de quem se empoleirou no banco e assaltou a caixinha de bolachas.

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