Age of Empires III

Reconhecer um grande jogo nem sempre é uma tarefa fácil. Para mim, por exemplo, reconhecer a genialidade de La Citta ou de Keythedral, não foi uma coisa de horas. Não. Foi coisa que durou algumas semanas. O exemplo mais paradigmático e óbvio, terá sido o de Age of Steam. Lembrei-me de uma conversa que tive com outro geek daqui do burgo que dizia - "Epá! Nunca mais joguei aquilo e não paro de pensar nele. Grande jogo. " E ele dizia-me isto, quando havia já passado, uns dias largos.

No caso de Age os Empires III não foi assim. Percebi, imediatamente, que estava na presença de um grande jogo. Um jogo muito bem produzido, com um belíssimo tema, muita interacção e rejogabilidade. No fundo, no fundo, um top 10 do mundo geek. A ver vamos.

Dizem os mais cultos na matéria que este Age of Empires III nada, com a excepção do título, tem que ver com o jogo homónimo da Microsoft. Não sei. Nunca joguei esse blockbuster do Sr. Gates. Mas uma coisa eu sei. Quando era chavalo jogava muito um jogo do Sid Meyer que se chamava Colonization. E a distância que vai entre este jogo de tabuleiro de que agora vos falo e o outro electrónico que eu carregava no meu antigo PC 386, utilizando 3 disketes, não é tão grande assim que não se reconheçam as semelhanças. Talvez por isso eu tenho gostado tanto de o jogar.

Revivalismos à parte, AoE serve o propósito de, mais que descobrir coisas, colonizar coisas. Ao longo do jogo colocamos colonizadores, colocamos mercadores, colocamos homens de fé que acreditam na diáspora europeia da cristianização dos hereges, colocamos capitães especialistas em navegação. O critério de escolha depende muito das vontades de cada nação. E cada nação é cada jogador. Ou seja, cada um dos jogadores gere o sucesso das descobertas de uma nação europeia.

Os recursos, quer financeiros quer humanos, não são tão estimulantes que permitam abordar o jogo com facilidade excessiva. Ou seja, apesar de não estarmos a falar de um jogo demasiado complexo e trabalhoso, do ponto de vista mental, também não estamos a falar de um jogo familiar, pelo menos para quem ainda não percebe o que é gerir uma despensa e um crédito bancário. AoE exige alguma experiência de gestão difícil o que, de alguma forma, o torna num medium weight com uma pronunciada curva de aprendizagem.

Saindo do lugar comum dos jogos civilizacionais este AoE apresenta-nos uma característica que, pessoalmente, considero de grande vantagem - as alternativas das escolhas estratégicas. Vencer um jogo de AoE não depende unicamente daquilo que se possa dele dizer em termos de colonizar, ou crescer, ou descobrir ou combater. Não. AoE traz-nos a saudável visão de um desenvolvimento sustentável, em que as características dos jogadores terão de ser ultrapassadas com vista ao sucesso. Num jogo de cintura muito apreciável, quem, por hábito, se presta frequentemente, a combates ou a desenvolvimento económico, tem de se saber adaptar e completar uma espécie de círculo invisível, coerente, de aventura na descoberta, utilização sábia dos recursos (financeiros e humanos) da sua nação, quer a nível da aquisição de edifícios que permitam uma melhor orientação estratégica para aquilo que preconiza, quer em termos de antecipação às estratégias dos adversários. Neste ponto residem as decisões mais importantes. O timing com que nos "preocupamos" com os nossos adversários. Quer em termos de ocupação das caixas de acções quer em termos da forma como nos posicionamos, fundamentalmente, para a conquista das maiorias no novo mundo.

Caylus, Leonardo e El Grande

Uma das opiniões que frequentemente surgem em relação a AoE é a da semelhança com Caylus devido à colocação de colonizadores/trabalhadores nos diversos sítios que há como opção estratégica de um objectivo. Pois não estamos a falar da mesma coisa. Para os fãs de Caylus, talvez estes sintam que esta variante de AoE é pior, para os outros, onde eu me incluo, esta opção é muitíssimo melhor. Porque apresenta duas diferenças fundamentais. A primeira, reside no facto das caixas poderem ser coabitadas, pelo menos, por alguns jogadores. A segunda porque os colonizadores que se colocam, têm um peso diferente, dependendo dos sítios onde se colocam. Ou seja, num estilo mais idêntico a Leonardo, alguns dos especialistas a colocar, valem mais que um ponto, conseguindo-se assim, benefícios importantes.

Chegando ao novo mundo, e concluindo cada uma das eras do jogo, temos a pontuação. Num estilo em tudo idêntico a El Grande - timing de pontuação e area control - atribuem-se os pontos vitória. O resultado da atribuição destes pontos pode ser determinante para a vitória, uma vez que, os pontos obtidos pela construção de edifícios ou pelas descobertas, não parecem suficientes. Para além de que, neste caso das descobertas, a sorte pode ser madrasta. Mas será determinante?

Tematicamente, todos estarão de acordo quando se afirma que as descobertas também resultaram da sorte, ou falta dela, em grande parte da história universal. Fazer um desvio que chega até ao Brasil ou apresentar como o mais famoso dos nossos navegadores, um irmão Vasco, desconhecido, de um tipo que adoeceu, Paulo, e que, portanto, não pôde liderar a viagem à Índia, são resultado de um lançamento de dados da História. O gajo é o maior dos nosso navegadores porque o irmão adoeceu! Qual é a probabilidade?! Mesmo com os melhores instrumentos de navegação da época, o pessoal enganava-se. E só as grandes descobertas decorridas de enganos é que sublinham os enganos. Porque a maior parte destes não deram em coisa nenhuma. Ou seja, os enganos foram mais que muitos e a certeza com que se viajava é idêntica à de hoje acertarem no clima. AoE sublinha isto de alguma forma quando nos pede que sejamos descobridores, que mandemos os nosso melhores navegadores, mas não nos deixa saber o que descobrir. Porque isso seria antitemático. Descobrir é um acto de fé. Essa componente aleatória do jogo traz uma questão. Será a sorte imbatível? Bom, visto daqui, diria que não. A sorte representa algo de importante em AoE. Porque eu poderia descobrir a Índia e afinal só me calhou o Mississipi. E isso é chato. Mas não é tudo. Pode-se/deve-se contornar a dificuldade que a sorte nos pode trazer neste jogo. Porque é possível fazê-lo, jogando equilibradamente.

Overall

Trata-se de um jogo magnífico. É uma obra prima? Não! Traz coisas novas? Nem por isso. Pelo menos, nada de muito relevante. Mas estamos na presença de um jogo muito bem produzido (com a excepção da "scoring track") com excelentes dinâmicas, quer na colocação de colonizadores quer do timing com que isso se faz, não precisa de ser um jogo muito demorado, nem entre turnos, nem no conjunto final e, mais importante que tudo isso, representa muito bem a temática da descoberta o que, por si só, traz alguma originalidade para quem julgava tratar-se de um jogo civilizacional.

Recomendado para todos os tipos de jogadores que apreciem um jogo não muito conflituoso de belíssima produção e excelente interacção. Ah! E traz Portugal.

Paulo Soledade