A Victory Lost

A Victory Lost - o 1º intruso no SpielPortugal

Um pequeno prelúdio...

Conheci os membros do SpielPortugal há cerca de um ano. Desde então desloco-me de Lisboa até Leiria, mais ou menos uma vez por mês, para umas boas jogatanas com eles. É um grupo de jogadores que levam o hobby a sério, experientes e com quem tenho aprendido muito sobre este fascinante mundo dos boardgames. Dizem-se Eurogamers mas, de vez em quando, dão uma perninha noutras secções – excepto wargames do tipo hex&counters. Eu jogo um pouco de tudo e, por isso, enquadro-me bem nos gostos do SpielPortugal, mas uma boa parte de mim é wargamer, do tipo hex&counters. Dito isto, fui convidado recentemente a participar no blogue. Foi com muito gosto que aceitei e assim aqui apresento a minha primeira review. Bem sei que o SpielPortugal se dedica principalmente a eurogames mas, pelo que expús atrás, esta minha primeira review terá que ser sobre um wargame. Creio que uma secção sobre wargames no SpielPortugal não faz mal nenhum, aliás, aumenta o seu espectro de intervenção. Aqui vai!

A Victory Lost é um wargame de 2006 da autoria do japonês Tetsuya Nakamura (a intrometer-se na hegemonia anglo-saxónica, nisto dos wargames) publicado pela MMP. Este jogo recria o conflito entre o Eixo e os Soviéticos no sul da URSS entre Dezembro de 1942 e Março de 1943.

Logo pela ilustração da caixa do jogo dá para dizer que lá dentro tem que estar coisa boa! Dentro da caixa temos os usuais counters (280) dos wargames, um livro de regras de 15 páginas (mas escrito com letras grandes e repleto de exemplos ilustrados, o que resulta numas 6 ou 7 páginas de regras) que um wargamer experiente simplesmente lê na diagonal e em 10 minutos já está a jogar, uma folha com um resumo da sequência de jogo e um magnífico mapa, com a habitual grelha hexagonal sobreposta, que mostra a área entre Dnepropretrovsk e Stalingrad coberta de neve e serpenteada por rios gelados. No mapa estão também as tabelas necessárias ao jogo e as posições iniciais das diferentes unidades, o que é muito bom, pois evita a procura do hex certo para o counter certo numa extensa order of battle. Mas neste jogo isto só é possível porque apenas tem um cenário. Regressando aos counters: aqui encontro a primeira coisa que não me agrada (há uma segunda). É que nisto dos wargames sou algo conservador, e não ter os usuais símbolos NATO nos counters não me agrada mesmo! – vá lá, safam-se as silhuetas dos blindados nas unidades de armor. Regressando também ao livro de regras: um wargame é, na maioria das vezes, uma simulação de factos históricos e, portanto, deve conter uma pequena introdução histórica a descrever os acontecimentos que o jogo pretende simular. Fica bem, dá-nos uma lição de História, e é uma óptima literatura para a WC. Neste jogo há apenas uma brevíssima descrição (3 linhas) dos acontecimentos históricos. Esta é a segunda coisa, e última, de que não gostei neste jogo. Contudo, também se pode dizer que hoje em dia é fácil obter informação sobre factos históricos. Mas assim perde-se a tal literatura tão útil em certos momentos.

Vamos então ao jogo. Para um wargamer a sequência de jogo não traz nada de novo. Activa-se um HeadQuarter (HQ); este, por sua vez, activa as unidades que se encontram dentro do seu raio de comando; essas unidades podem então movimentar-se; as unidades activadas que estejam em hexs adjacentes a unidades inimigas podem atacá-las: calculam-se as odds, rola-se um dado, aplicam-se modificadores, consulta-se a tabela de combate e aplicam-se os resultados. Depois activa-se um outro HQ (que pode ser nosso ou do adversário), repete-se a sequência descrita atrás, e assim sucessivamente até se terem activado todos os HQs possíveis de activar. Depois, verifica-se, para ambos os jogadores, se as unidades estão abastecidas ou não – não é nada bom para uma unidade estar sem abastecimento, especialmente se esta for um HQ (já me aconteceu e foi muito grave – perdi o jogo!). Depois disto ambos os jogadores recebem reforços, se os houver, para o turno em curso e, assim, termina o turno. O jogo tem nove turnos, cada um simulando cerca de dez dias de batalha real. No final ganha quem tiver mais pontos de vitória, e estes são obtidos com o controlo de certas cidades chave e destruição de certas unidades inimigas.

Dito assim poder-se-ia dizer que se trata de um vulgar wargame. Mas não o é, pois ainda não falei daquilo que confere originalidade e rejogabilidade a este jogo. Quando descrevi a sequência de jogo, falei na activação de HQs, mas como é que isso se processa? Tanto o Eixo como os Soviéticos iniciam o jogo com vários HQs (cerca de uma dúzia para os Soviéticos e uns 8 para o Eixo – não me dei ao trabalho de contar) – mais alguns HQs entram mais tarde em jogo como reforços. Ora, a cada um desses HQs está associado um outro counter a representá-lo – chamado command chit. Antes do início do jogo o jogador Soviético tem que, de entre todas as command chit ao seu dispôr, escolher 5, às quais junta uma command chit especial que não tem nenhum HQ associado, chamada STAVKA chit. Para o jogador Soviético esta escolha é estrategicamente importantíssima, pois determina, à partida, que HQs (e unidades dentro do seu raio de comando) é que vai activar mais frequentemente. E não só, confere rejogabilidade, pois a cada jogo podem fazer-se diferentes selecções de command chits que implicam diferentes estratégias para o jogador Soviético, o que, por sua vez, leva a que o jogador do Eixo também se tenha que adaptar a essa selecção. Mas é claro que, como em todos os jogos, mais tarde ou mais cedo se chegará a uma escolha ‘óptima’. O jogador do Eixo não tem que fazer esta escolha prévia de command chits – tem sempre todas as command chits ao seu dipôr. Tal como a command chit especial STAVKA para o jogador Soviético, o jogador do Eixo também recebe como reforços, ao longo do jogo, duas command chit especiais, chamadas Manstein (o famoso general alemão), e que também não têm nenhum HQ associado.

Antes do início de cada turno de jogo o jogador Soviético selecciona 3 command chits (de entre as 5 que escolheu antes do início do jogo) que junta à STAVKA chit, e coloca estas 4 command chits num recepiente opáco. O jogador do Eixo faz o mesmo, mas o número de chits que coloca no recipiente varia de turno para turno (de 3 a 6). As command chits que vão e que não vão para o recipiente é informação secreta. Portanto, quando na sequência de jogo falei em activar um HQ trata-se de ir ao recipiente e tirar uma command chit ao acaso que irá activar o respectivo HQ. Ora, este sistema torna o jogo imprevisível (e até introduz um pequeno factor sorte, mas esta incerteza é o sal e a pimenta deste jogo) – nunca se sabe que HQ vai ser activado a seguir excepto o último, e só o seu proprietário o sabe. Pode acontecer (embora pouco provável) que saiam em primeiro todas as chits de um jogador, e o outro tem que ficar a vê-lo jogar, mas depois têm que sair as chits do adversário e os papéis invertem-se. Às vezes deseja-se tanto que sai uma determinada chit e, finalmente quando ela sai os estragos já estão feitos. C’est la vie! Este sistema proporciana também a uma unidade a possibilidade de se mover e atacar mais que uma vez por turno, pois uma unidade activada por um dado HQ pode mover-se para uma área que está no raio de comando de um HQ cuja command chit ainda não saiu. Esta é uma situação que deve ser bem explorada no jogo, e para o jogador do Eixo, que tem unidades panzer altamente móveis, isto tem mesmo que acontecer com regularidade, se não está a jogar mal. Assim, as capacidades de exploração das unidades presentes neste cenário de guerra estão muito bem simuladas. Ainda não falei das command chits especiais: uma STAVKA para o Soviético e duas Manstein para o Eixo. Quando sai a command chit STAVKA o jogador Soviético pode activar todos os seus HQs no mapa (mesmo aqueles que nesse turno já tenham sido activados; além disso há que recordar que há vários HQs Soviéticos cuja command chit não foi seleccionada antes do início do jogo, e só quando sai a STAVKA chit é que esses HQs podem ser activados). Ou seja, de uma só vez o jogador Soviético pode mover e atacar com toda a sua frente de batalha, e em determinadas condições pode ser muito nefasto para o Eixo. O Eixo tem que gramar com a STAVKA em todos os turnos. Mas as Manstein chits do Eixo também não são nada meigas. Quando sai uma command chit Manstein o jogador do Eixo pode activar qualquer HQ no mapa (mesmo um HQ que já tenha sido activado previamente no turno). Além disso quando sai uma Manstein chit o jogador do Eixo pode voltar a colocá-la no recipiente e tirar outra chit. Isto pode ser importante, já que o jogador do Eixo pode preferir tentar que saia uma command chit Soviética para ver o que é que ele vai fazer e depois regir em conformidade. Estas Manstein chits são um perigo para o Soviético. Imagine-se que o Eixo tem os seus panzers agrupados, sai a command chit normal que os activa, e depois sai uma Manstein chit ou mesmo 2 de seguida! Ui! Vários ataques seguidos com os panzer podem abrir um buraco ou dois ou um buraco ‘negro’ na frente Soviética. Além disso, como o jogador do Eixo vai passar muito tempo a apagar fogos nas suas linhas, estas Manstein chits proporciaonam a mobilidade necessária para esse efeito, se ajuizadamente aplicadas – já vi essa mobilidade em acção contra mim e, acreditem, é desagradável. Estas command chits especiais também fazem com que a experiência de jogar pelo Eixo ou pelos Soviéticos seja completamente distinta.

Enfim, este é o coração, o motor do jogo, aquilo que o torna diferente. Mas há outras pequenas subtilezas. Por exemplo, a simulação da débil mobilidade das unidades de infantaria Soviética e das capacidade defensivas das unidades Alemãs: neste jogo o Eixo vai estar à defesa, mas sempre á espreita, e vai ter que recuar o mais lentamente que puder (até estar em condições de lançar o “Backhand Blow”) face à avalanche vermelha e, se essa retirada for feita com critério, o jogador Soviético vai aperceber-se que não pode avançar tão depressa quanto pretendia. É que às unidades de infantaria Soviéticas foi atribuído um potencial de movimento que impede isso, mas só se o jogador do Eixo aproveitar bem o terreno em seu favor. Mas claro, com uma táctica adequada o jogador Soviético pode tentar contornar isso. Se até cerca do meio do jogo o jogador Soviético não conseguiu a tal brecha nas linhas do Eixo então game over, a não ser que do lado de lá esteja um nabo!

Este é um jogo que wargamers experientes começam a jogar mal o tiram da caixa e leva apenas 4-5 horas a ser jogado – os primeiros segundos do Universo para um wargamer. É simples, usa mecanismos elegantes (talvez por vir de um japonês) e tem muita rejogabilidade. É apropriado para quem se queira iniciar em wargames (mas também satifaz os grognards) e, quem sabe, para iniciar os Eurogamers aos ‘verdadeiros’ jogos de táctica, i.e., wargames. Bem já prá qui estou a ouvir ... O quê?! Quem?! Eu?! Nem penses! Jamais!! Pois o, outro também disse que ... na margem sul?! Jamais!! Portanto!...

Nota 7,5

Paulo Inácio